"Os Educadores-sonhadores jamais desistem de suas sementes,mesmo que não germinem no tempo certo...Mesmo que pareçam frágeisl frente às intempéries...Mesmo que não sejam viçosas e que não exalem o perfume que se espera delas.O espírito de um meste nunca se deixa abater pelas dificuldades. Ao contrário, esses educadores entendem experiências difíceis com desafios a serem vencidos. Aos velhos e jovens professores,aos mestres de todos os tempos que foram agraciados pelos céus por essa missão tão digna e feliz.Ser professor é um privilégio. Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com acolheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos, é lapidar diamantes"(Gabriel Chalita)

Translate - Tradurre - Übersetzen - Çevirmen - переводчик -

domingo, 9 de novembro de 2008

Machado ainda vive

É pertinente um comentário sobre as ilações pedagógicas da obra de Machado. A educação apareceu muito, até nas ironias do escritor


MACHADO DE Assis foi a atração literária do ano. Sua vida e a vasta e musculosa obra serviram de pretexto para aulas, seminários, conferências e artigos. Como nunca houve antes neste país. A exposição na Academia Brasileira de Letras reuniu milhares de estudantes em visitas guiadas sem precedentes.É pertinente, por isso mesmo, um comentário sobre as ilações pedagógicas da obra do "bruxo do Cosme Velho". De propósito ou sem querer, a verdade é que a educação apareceu muito, até mesmo nas ironias do escritor carioca, que, se reportando a uma aula na escola pública que freqüentou, viajou com o pensamento nas asas de um papagaio de papel, enquanto a gramática era deixada em segundo plano. Nem por isso a sua escrita deixou de ser impecável, anos mais tarde.Numa releitura dos seus romances, contos, poemas, crônicas e cartas, descobre-se que ele se esmerava em mostrar de que maneira cada um de nós pode chegar a se tornar um ser humano melhor.Não nos preocupamos exatamente com lições morais, mas com o que o espírito de Machado acolheu e que seria de interesse objetivo da educação do seu tempo. A presença do professor, a forma dos castigos, a valorização de línguas estrangeiras e o pouco prestígio dado à educação feminina são temas recorrentes em suas obras.O mundo melancólico de Machado, com as suas voltas à infância sofrida, mescla-se com a nostalgia presente no "Conto de Escola": "Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que boiava no ar, uma coisa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos".Em "Outros Contos", encontramos mais uma preciosidade ligada à idéia do magistério, no sentido que lhe quis dar Machado de Assis: "Meu propósito era ser mestre de meninos, ensinar alguma cousa pouca do que soubesse, dar a primeira forma ao espírito do cidadão... Calou-se o mestre alguns minutos, repetindo consigo essa última frase, que lhe pareceu engenhosa e galante... O mestre, enquanto virava a frase, respirando com estrépito, ia dando ao peito da camisa umas ondulações que, em falta de outra distração, recreavam interiormente os discípulos". É um texto admirável, de que se podem tirar diversas inferências: a fina ironia com respeito à idéia abominável de delação; a existência somente de meninos na classe, revelando a discriminação então existente; a repetição exaustiva da palavra "mestre", com que Machado designava os professores; o retrato de corpo inteiro de uma classe típica, em que ocorrem fatos ainda hoje comuns no espírito da garotada. Isso tudo além do mestre, que, falando para si mesmo, revelava o inteiro teor do que então denominávamos "magister dixit".A crítica de Machado à escola mostrava suas idéias: os alunos não eram interessados porque também os mestres não o eram. O professor da época não fazia o aluno raciocinar; antes, queria impressionar e impor-se pela dificuldade das palavras; discursava, emitindo conceitos fora do alcance dos alunos. Nos textos, aparecem os castigos físicos, como a palmatória, que em "Conto da Escola" é descrita como "cheia de olhos".A cultura de Machado veio do seu autodidatismo, pois só fez os estudos primários. É verdade que era pobre e precisou trabalhar como tipógrafo.Mas teria ele continuado na escola se pudesse? Foram perguntas que me ficaram -e ficarão- sem resposta.Não se deve esquecer nenhum desses pormenores se queremos uma educação renovada. Machado afirmava no conto "Verba Testamentária" que "esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Obra de lápis e esponja". Quando escrevia isso, certamente, ele queria dizer exatamente o contrário.


ARNALDO NISKIER, 73, é professor de história e filosofia da educação e presidente do Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro. É ex-secretário de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, ex-membro do Conselho Nacional de Educação, professor emérito da Eceme e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras.

Fonte : Folha de São Paulo - 07/11/2008

Nenhum comentário:

PENSAMENTOS