Luiz Weis
O Estadão comeu mosca (“Câmara libera internet na propaganda eleitoral”), o Globo foi ao ponto (“Regras para internet causam polêmica”) e a Folha mandou ver (“Câmara aprova lei eleitoral que limita cobertura on-line”) no noticiário da quinta-feira, 9, sobre a aprovação, na véspera, do projeto que reforma as regras eleitorais no país. O projeto precisa ainda passar pelo Senado.
O erro do Estado foi destacar a autorização dada aos candidatos e partidos em campanha para fazer propaganda em seus sites, blogues, comunidades de relacionamento e ferramentas de envio de mensagens pessoais.
Muito mais importantes são as normas de comportamento estabelecidas pelos deputados a todos quantos publicam na rede – dos chamados provedores de conteúdo a blogueiros e internautas em geral.
Delas se pode dizer, com certeza, que causam polêmica. Ou, menos certamente talvez, que limitam a “cobertura” das campanhas eleitorais.
O ponto mais polêmico, do qual decorrem as limitações, quaisquer que sejam, é a equiparação da internet às emissoras de rádio e TV. Aliás, polêmico é modo de falar. A equivalência não se sustenta.
Emissoras são concessões públicas. O Congresso, portanto, tem o direito de estipular o que podem e não podem fazer durante uma campanha eleitoral. Portais, sites, blogues etc etc são iniciativas que independem de permissão, autorização ou concessão oficial. Assim como jornais e revistas.
Goste-se disso ou não, uma TV não pode promover debates apenas entre alguns candidatos, os mais bem situados nas pesquisas, que atraem o interesse da grande maioria dos eleitores. O formato e o número de debatedores deve ser decidido de comum acordo com todos eles (como ainda é) ou com 2/3 deles (como passará a ser se o projeto votado na Câmara virar lei na forma atual).
Um periódico impresso pode sabatinar ou confrontar quais e quantos candidatos queira – e arcar com o prejuízo para a sua credibilidade se a sua seleção for patentemente facciosa. Assim também deveria ser na internet, não só por uma questão de lógica elementar, mas também porque o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que o que vale para a mídia impressa vale para a internet.
A Câmara resolveu que os candidatos podem fazer propaganda paga em jornais e revistas, até o limite de 10 anúncios. Na internet, não.
A Câmara resolveu que debates online podem ser realizados no período da campanha, que começa no dia 5 de julho dos anos eleitorais. (Outra jabuticaba: as campanhas devem começar quando os políticos quiserem – aliás, é o que sempre fazem; o horário da propaganda gratuita é que tem data para ir ao ar.) Mas os debates têm que obedecer à regra dos 2/3.
“O jornalismo na internet foi e sempre será permitido”, argumenta o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), relator do projeto. “O que estamos propondo é que, além da liberdade, haja equidade.”
Vamos nos entender. A exigência de equidade restringe a liberdade de imprensa. Isso pode, ou não, se justificar. Mas que restringe, restringe – assim como toda intervenção do poder público de combate às desigualdades sociais é uma restrição à liberdade econômica absoluta.
A Câmara resolveu implicitamente que a internet pode noticiar, comentar e analisar o desenrolar das campanhas. Mas, explicitamente, abre espaço para os candidatos alegar que a notícia, o comentário e a análise são formas disfarçada de propaganda de seus adversários. Ou ainda, que foram injuriados, difamados ou caluniados por palavras ou imagens, tendo direito de resposta – a que se dará o mesmo tamanho e pelo dobro do tempo no ar das mensagens tidas como injuriosas, difamatórias ou caluniosas que, naturalmente, terão de ser suprimidas.
A Folha entendeu que isso cerceia a “cobertura” online. No bem-produzido quadro “Campanha limitada”, o colunista Fernando Rodrigues escreve que “as medidas terão efeito inibidor da liberdade de expressão na internet, cuja característica principal é o caráter pessoal e irreverente de blogs e sites de pessoas físicas”.
E ainda, sobre o risco de interdição de sites, blogues e redes de relacionamento considerados transgressores, “será impossível haver liberdade de expressão e informação se for necessário evitar humor que possa eventualmente ridicularizar algum político”.
De novo, vamos nos entender. Quando for o caso e na dose certa, a cobertura da maioria dos fatos pode conter humor e irreverência. Mas, diferentemente do que se aplica às manifestações pessoais na internet, nem uma coisa nem a outra são “características” de uma reportagem – a expressão por excelência do que se entende por cobertura.
Daí a dúvida se, por isso, a lei eleitoral em tramitação no Congresso tolhe o acompanhamento jornalístico de uma eleição, como sustenta a Folha.
Já no Globo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) se insurge contra a regulamentação do tratamento das campanhas no que considera “território livre, anárquico, sem Estado”. Ele observa que “as sanções aos provedores resultarão em censura dos conteúdos”.
Eles serão responsabilizados, por exemplo, se um internauta atacar um candidato ou levantar a bola de outro.
Aí entra a pergunta que retoma a questão das fronteiras da liberdade na internet: ela deve ser irrestrita?
Muitos sites e blogues, como este, filtram os comentários recebidos, conforme critérios que são do conhecimento dos comentaristas e que basicamente tratam de preservar padrões elementares de civilidade no debate online. O Observatório da Imprensa, por exemplo, adverte:
“Este é um espaço de diálogo e troca de conhecimentos que estimula a diversidade de idéias e pontos de vista. Não serão publicados comentários com xingamentos e ofensas ou que incitem intolerância ou crime. Os comentários devem ser pertinentes ao tema da matéria e aos debates que naturalmente surgirem. Evite vulgaridades e simplificações grosseiras. Não escreva em maiúsculas: isso dificulta a leitura do texto e, na linguagem da internet, é interpretado como gritos. Mensagens que não atendam a estas normas serão deletadas, e os comentaristas que habitualmente as transgredirem poderão ter interrompido seu acesso a este fórum.”
Em outros países, vale tudo – embora a tendência seja de barrar os golpes abaixo da linha da cintura sob a forma de palavras que, por isso mesmo, devem se tornar impublicáveis. Sem falar nas incontroláveis alegações sem um fio de comprovação de que fulano(a) é isso ou aquilo, e que se propagam, em sentido metafórico e literal, à velocidade da luz.
A lama que rolou na blogosfera americana na última campanha presidencial – com tiradas racistas e a invencionice de que Obama é um muçulmano enrustido – foi qualquer coisa de pornográfico.
Campanhas eleitorais estão entre os eventos que notoriamente favorecem o transbordamento do esgoto humano. Sendo assim, a censura que o projeto de reforma eleitoral induzirá os provedores de conteúdo a adotar e para a qual o deputado Miro Teixeira alerta parece justificada.
Nem tudo que se pensa se deve escrever. Nem tudo que se escreve deve ser publicado. Nem tudo que se publica deve ficar impune. No caso particular de uma eleição, há mais: deixado à solta na internet, o rancor das disputas políticas rebaixa a democracia e faz crescer a incivilidade que degrada as sociedades.
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