A literatura perpassa a pequenez humana...
Por Gabriel Chalita
Para o final de mais uma semana, um pouco de literatura e um convite à reflexão. A literatura é a história dos sentimentos. Ler é sempre muito prazeroso, desafiador, instigante e revelador. Muitas das angústias dos homens permanecem, ao longo dos tempos, independente do progresso que a inteligência humana é capaz de realizar. Relendo o mais célebre e notável poema em língua portuguesa, Os Lusíadas, de Camões , logo no Primeiro Canto, fui desafiado a uma reflexão: a pequenez humana diante das infindáveis buscas que este mesmo homem empreende.
“No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida
Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?”
O desvendar da natureza humana povoou a mente dos filósofos, dando origem a diversas teorias. Mas, ainda no Século XXI, essa questão inquieta o ser humano, que parece, muitas vezes, mais se distanciar da essência da resposta do que caminhar em sua direção.
Intrigante a atualidade da constatação do poeta português do século XVI em intertextualidade com Drummond, cujo poema a seguir traça o mesmo cenário da trajetória humana, em sua “dificílima e dangerosíssima viagem de si a si mesmo” e a pequenez humana:
O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver. ( Carlos Drummond de Andrade)
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