Guimarães Rosa conta, em "Corpo de Baile": "Miguilim era piticego, tinha vista curta, e não sabia. E então o senhor (que era doutor) tirou os óculos e deu-os a Miguilim: 'Olha, agora!' Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. O Mutum era bonito! - agora Miguilim via claramente." Muitas vezes um problema de saúde, não identificado na primeira infância, prejudica o aprendizado. Mas o prejuízo ultrapassa a questão puramente educacional. Criança que não tem a devida atenção, não tem adequado desenvolvimento físico, emocional, social e cognitivo. E a identificação de um problema precisa ser feita pela família. Não há caminho da educação que não envolva a família e a escola. O principal objetivo da escola pública deve ser o bem-estar e o desenvolvimento integral da criança. Para isso, deve cuidar da saúde, da nutrição, da segurança e da aprendizagem. Em segundo lugar, os projetos têm que ter continuidade, e serem bem coordenados.
Esta questão ocupa especialistas no mundo inteiro. A ONU promoveu no Senegal, em 2000, o Fórum Mundial de Educação para Todos. Uma das seis metas de consenso dos 189 países participantes foi a educação e o cuidado na primeira infância. No Brasil, estamos longe de atingir o básico, que é a universalização da educação infantil. Falta investimento e falta vontade política. Os gastos em educação chegam a apenas 4,2% do PIB (a Unesco recomenda 6%). Por exemplo, em educação infantil apenas 6,25% vêm do governo federal. Com relação à educação básica, que deveria ser prioridade absoluta, o governo federal destina parcos 5%. Enquanto isso, aplica 63% da verba no ensino superior. Isto mostra uma inversão de prioridade.
Os pais não têm tempo de acompanhar os filhos na escola, durante os dias úteis. Por isso, em São Paulo, na nossa gestão como secretário de Educação do Estado, implantamos o Programa Escola da Família, em 2003, mantendo abertas as 5.306 escolas estaduais, aos fins de semana, para atividades de esporte, lazer, artes, saúde e geração de renda. Foram mais de 20 milhões de participações por mês. O que demonstra que a família só não participa quando não lhe é facilitado o acesso à escola. Os resultados mais concretos do programa Escola da Família foram a queda dos índices de violência nas escolas e a diminuição da evasão escolar. Mas ainda há um longo caminho para que se consiga fazer com que a educação seja referência em nosso país. É preciso, agora, investir na qualidade dessa educação. Principalmente na educação infantil, investindo na formação continuada do professor, e conscientizando a família de sua fundamental importância no processo ensino-aprendizagem dos filhos. Outro passo importante na educação básica foi a implantação da escola de tempo integral. Nosso sonho é que, no futuro, muito mais do que as 500 escolas iniciais acolham crianças durante o dia todo, em atividades artísticas e esportivas.
Para isso é preciso integração entre governo e comunidade. Alguns países desenvolvidos apostam nesse conceito. Na Nova Zelândia, por exemplo, os jardins de infância são estabelecimentos independentes, gerenciados pela comunidade. E existem centros de lazer em que os educadores e administradores são os próprios pais das crianças matriculadas.
Este é um dos caminhos para que tenhamos cada vez menos Miguilins. Perderíamos contos maravilhosos como esse de Guimarães Rosa, mas ganharíamos em qualidade de vida para as nossas crianças.
Revista Brasil Responsável
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