Num dia você é chamada à escola de seu filho por seu comportamento agressivo e desatento. No outro, percebe uma pequena deficiência na fala e na escrita do pequeno. Sem contar que ele não quer mais ir à escola e, quando o faz, parece apático ao que está sendo ensinado dentro de sala de aula. Talvez o baixinho faça parte dos 20% de crianças brasileiras (segundo dados do Ministério da Educação de 2007) que apresentam algum déficit de aprendizagem. As dificuldades de aprendizado são resultado de diferentes fatores: problemas financeiros, brigas no ambiente familiar, métodos de ensino ultrapassados, problemas neurológicos, auditivos, visuais e outros. Como identificar e tratar o problema para não impedir a aquisição do conhecimento e garantir o saudável desenvolvimento infantil?"Os distúrbios e dificuldades de aprendizagem caracterizam-se por alterações significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas e têm sido uma das principais causas da ida de crianças ao psicólogo já que 'não aprender' tem repercussões emocionais e na autoestima da criança", explica a pedagoga e conselheira tutelar Janaína Elias. Nem sempre identificá-los é tarefa fácil: "Geralmente, a dificuldade se apresenta de forma gradativa. Por isso, a atenção de pais e educadores faz-se tão importante", alerta a pedagoga. Investigando as deficiênciasA única maneira de reverter o processo de déficit de aprendizagem é buscar as suas reais causas. São diversos os fatores que influem na aquisição de conhecimento. "Motivos de ordem psicológica, econômica, neurológica, social e até mesmo ambiental interferem de forma sintomática na construção da personalidade do indivíduo, que se dá até os sete anos de idade, podendo influir em seu aprendizado", revela Janaína.Crianças com dificuldades para fixar conteúdos podem mudar seu comportamento, variando seus sentimentos ao extremo. Podem, por exemplo, tornar-se agressivos ou chorões Problemas visuais e auditivos, brigas constantes entre familiares, métodos ultrapassados de ensino e, até mesmo, problemas de adaptação escolar podem levar ao desinteresse e às dificuldades de aprendizagem. "Por isso é tão comum a criança sentir dificuldade na troca de escolas e na passagem para o 1º ano e o 5º ano do Ensino Fundamental, quando há uma mudança significativa em toda a metodologia de ensino", explica a especialista. Para a pedagoga, a massificação do ensino tem contribuído para o aumento de casos de crianças com dificuldades de aprendizado. "Não é que o fato vá trazer ao aluno uma dislexia ou um autismo. Mas certamente trará desmotivação, desinteresse, sentimento de incapacidade", afirma a pedagoga "Existem várias etapas no processo de aprendizagem, mas uma delas é fundamental: a motivação. A questão é como se motivar numa sala sem atrativos, com quase cinqüenta alunos dentro", indaga Janaína.Ainda que diferentes causas levem a diferentes tipos de dificuldades de aprendizagem, os sintomas podem ser muito semelhantes. "O desinteresse pelos estudos, o isolamento do restante dos alunos, a inibição ou a agitação, o interesse por atividades mais lúdicas, o relaxamento com material didático são as principais manifestações de quem pode estar sofrendo com uma dificuldade em aprender", afirma Janaína que pede aos pais que também fiquem alerta às mudanças comportamentais: "Crianças com dificuldades para fixar conteúdos podem mudar seu comportamento, variando seus sentimentos ao extremo. Podem, por exemplo, tornar-se agressivos ou chorões".A importância do tratamento Descobrir e tratar as causas que levam às dificuldades e distúrbios de aprendizado é de extrema importância já que, além da baixa autoestima, a falta de tratamento pode levar a um ciclo vicioso. "A criança sente-se inferiorizada ao ver que seu amiguinho está aprendendo, participando das atividades, sendo elogiado, ganhando notas boas e ela não. Isso cria uma aversão à escola e deixa duas alternativas ao pequeno: ou ele não quer mais ir à escola ou vai para fazer bagunça, comprometendo ainda mais sua concentração e seu desenvolvimento cognitivo", adverte Janaína.A fisioterapeuta Ana Paula Rodrigues (39 anos) sabe bem o que é isso. Seu filho Vitor (10 anos) sofre de dislexia e ano passado começou a ter problemas na escola. "Uma vez ele chegou em casa dizendo que era 'burro', pois todas as crianças aprendiam menos ele. Foi quando a escola me chamou, pois ele não queria mais fazer as leituras que a professora mandava e estava cometendo muitos erros ao escrever", conta Ana Paula. Ela procurou o apoio de uma psicóloga e de uma fonoaudióloga. "Não tem sido nada fácil, sobretudo, porque meu filho anda desmotivado na escola, mas tenho fé que com força de vontade tudo vai se resolver", afirma Ana Paula. O tratamento só é eficaz quando há uma parceria entre a escola e a família. "Por isso, aconselhamos os pais ou responsáveis a se dirigirem à coordenação da instituição de ensino para expor o problema a fim de buscarem juntos uma solução", justifica Janaína. Quanto aos pais, é importante que aceitem que a criança está encontrando problemas em aprender. "Observamos, constantemente, que crianças de fácil tratamento esbarram na não aceitação do diagnóstico pelos pais, por acreditarem que se trata de um déficit de inteligência. Isso acaba por impedir a busca imediata de profissionais que possam acompanhar e cuidar dessas crianças", alerta a especialista.Além disso, é um erro afirmar que a criança que hoje apresenta uma dificuldade/distúrbio de aprendizagem será um adulto mais ou menos inteligente. A história nos conta que a escritora Agatha Christie, o cientista Albert Einstein e os pintores Leonardo DaVinci e Pablo Picasso eram disléxicos. Quando diagnosticado a tempo, é possível reintegrar a criança ao processo de aprendizado sem nenhum prejuízo.À escola também é reservada função especial de zelar pelo aprendizado da criança, fazendo desse processo o mais prazeroso possível. "A instituição de ensino deve ter a preocupação de inovar a todo tempo, de trazer o momento da aprendizagem como algo prazeroso. O aluno precisa gostar de estar na escola. Como dizia o educador Paulo Freire: 'A escola tem que ser um espaço onde se aprenda mais que ler e escrever, que se aprenda a viver, a amar'", enfatiza Janaína. Para a especialista, a leitura pode ser uma grande ferramenta de estímulo à criança. "Se uma criança tem a possibilidade de (geneticamente) ser disléxica e, desde a primeira infância tem a leitura estimulada, esse fator irá colaborar na hora do tratamento".Vale lembrar que pais e educadores não devem corrigir o aluno com frequencia perante terceiros. "Estamos tratando de crianças que estão construindo a sua personalidade, portanto, não se deve menosprezar e usar essa dificuldade para constranger, discriminar e trazer essa criança a vexame", adverte Janaína. Além de fazê-la sentir-se inferior, ela pode acabar desenvolvendo uma timidez e uma vergonha excessiva ao falar, ler e escrever. Ao contrário, deve-se estimular o pequeno a enfrentar o problema, superando suas limitações.Além da família e dos professores, o tratamento costuma envolver uma equipe multifuncional formada por fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicólogos e, em alguns casos, fisioterapeutas. "São eles que adotam programas que fazem com que os resultados de melhoria ocorram de forma consciente e progressiva", justifica Janaína. Em casos mais sérios se pode recorrer a medicações.Principais distúrbios de aprendizagem e tratamentoSão inúmeros os problemas de aprendizado. Alguns deles se tornaram mais conhecidos e frequentes no ambiente escolar. Conheça seus sintomas e formas de tratamento. Dislexia: é um distúrbio de aprendizagem relacionado à forma que o indivíduo percebe e processa letras, números e símbolos. Os sintomas costumam ser diferentes na primeira infância (0 a 3 anos) e na chamada segunda infância (4 a 6 anos). "Os mais novinhos apontam um atraso no desenvolvimento motor desde a fase de engatinhar, sentar e andar e também uma deficiência na aquisição na fala, desde o balbuciar ao pronunciar das palavras. Já os mais velhos costumam apresentar lentidão na realização de seus deveres bem como inventam, acrescentam ou omitem palavras ao ler e escrever e não gostam de fazer leitura em voz alta", revela Janaína. TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção): é um transtorno ligado ao comportamento do indivíduo. Pode estar relacionado a fatores genéticos ou externos. "O uso de substâncias psicoativas na gestação, complicações no parto e falta de oxigênio para o bebê, retardo mental, estresse emocional e intoxicação por chumbo são fatores que podem levar ao TDAH", afirma Janaína. Os sintomas mais comuns são: "Impulsividade, instabilidade emocional, falta de atenção, fala em demasia e agitação nos pés e mãos", esclarece a especialista. Distorgrafia: caracteriza-se por um grande número de erros ortográficos. "Costuma ser diagnosticada após o 3º ano do Ensino Fundamental, quando a criança já deve dominar a ortografia e sua relação com sons e palavras", explica Janaína. "Os sintomas mais comuns são pobreza no vocabulário, acarretando a elaboração de textos pequenos e pobres de informações, falta de vontade de escrever, dificuldade e coordenação das frases, troca de grafema", exemplifica a pedagoga. Discalculia: é um distúrbio neurológico onde o indivíduo apresenta grande dificuldade com números. "A criança tem problemas em operações matemáticas, conceitos, fórmulas, contagem, sinais numéricos e outros", esclarece Janaína. Autismo: é um transtorno que compromete o desenvolvimento psiconeurológico afetando a comunicação e o convívio social. "Atinge geralmente crianças do sexo masculino e suas causas ainda são desconhecidas, mas estudos apontam para fatores genéticos, toxina, poluição e infecções virais", afirma Janaína. "Crianças com autismo parecem surdas, não estabelecem contato com os olhos, agem de forma indiferente ao que acontece ao seu redor, são insensíveis à dor e possuem dificuldades de relacionamento com outras crianças", explica a especialista. "O tratamento dá-se através de medicamentos capazes de reduzir a hiperatividade e há escolas especializadas para quem apresenta esse tipo de distúrbio", esclarece a pedagoga.Afasia: é um distúrbio na percepção (compreensão) e expressão da linguagem. "Dá-se quando há perda da linguagem adquirida (insuficiência vocabular) de maneira normal e progressiva. Geralmente, é causada por lesão no sistema nervoso central (AVC, Traumatismo Craniano etc.)", explica Janaína. "Os sintomas são dificuldade nas articulações das palavras, uso excessivo das palavras 'isso' e 'aquilo' por dificuldade de se expressar e dificuldade na leitura", exemplifica a pedagoga.
Por Luana Martins