Desafiando o toque de recolher e os pedidos do governo para que deixem as ruas e voltem para suas casas, críticos e defensores do ditador egípcio, Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, continuam a protagonizar violentos confrontos no centro do Cairo.
Às 22h20 locais (18h20 de Brasília), a rede de TV americana CNN mostra imagens do caos ao vivo da praça Tahrir, indicando que coquetéis molotov são atirados de janelas de prédios vizinhos e tiros de metralhadora são ouvidos. O governo aumentou o número oficial de feridos para 611. Ao menos uma pessoa também morreu nos distúrbios somente nesta quarta-feira.
Imagens aéreas da CNN dão uma amostra da gravidade da situação no local. Dezenas de manifestantes correm assustados, um tanque do Exército tenta dispersar a multidão e explosões de coquetéis molotov são vistas repetidamente.
Tiros de metralhadora foram disparados ao ar momentaneamente, mas não houve feridos, aparentemente.
Informações oficiais sobre o saldo de mortos durante os nove dias de confrontos têm sido escassas e mesmo os números informados por emissoras de TV e agências de notícias são desecontrados. A Reuters indica ao menos 138 mortos até o momento.
VICE
Mais cedo, o vice-presidente egípcio Omar Suleiman disse à agência estatal Mena que os manifestantes deveriam voltar para casa.
"Os participantes nesses protestos transmitiram suas mensagens, tanto aqueles exigindo reformas como aqueles que saíram em apoio ao presidente Hosni Mubarak", disse.
Logo depois ele reforçou seu pedido a "todos os cidadãos que voltem para suas casas e respeitem o toque de recolher para aumentar os esforços das autoridades para restaurar a calma e a estabilidade, e limitar as perdas que os protestos já causaram ao Egito desde a semana passada".
Anteriormente o ministro da Saúde do Egito, Ahmed Farid, confirmou à TV estatal egípcia que os confrontos entre os manifestantes que protestam contra o ditador egípcio Hosni Mubarak e seus defensores já deixaram 611 feridos, acrescentando que até o momento não há ferimentos a bala.
Mais cedo fontes oficiais tinham indicado que mais de 400 pessoas já tinham sido feridas. O único morto confirmado até o momento seria um soldaso que caiu de uma ponte, indica o governo.
PROTESTOS
Manifestantes pró e antigoverno no Egito se enfrentaram nesta quarta-feira na praça Tahrir, epicentro dos protestos pela queda do ditador Hosni Mubarak, no poder há 30 anos. O enviado especial da Folha ao Cairo, Samy Adghirni, estava no local e relata como aconteceram os confrontos.
Um grupo de milhares de partidários de Mubarak invadiu mais cedo a praça Tahrir, onde há nove dias manifestantes contrários ao regime acampam e protestam por sua renúncia imediata. Portando paus e chicotes, eles entraram com cavalos e dromedários na praça localizada no centro do Cairo.
Manifestantes pró-governo (abaixo) enfrentam os egícpios anti-Mubarak na praça Tahrir, no centro do Cairo
Os manifestantes antigoverno afirmam que alguns dos simpatizantes de Mubarak eram policiais à paisana, em uma estratégia para acabar com os protestos --que levaram o ditador a anunciar, na véspera, que não concorrerá nas eleições de setembro.
"O PND (Partido Nacional Democrata) pró-Mubarak e a polícia secreta vestida à paisana invadiram a praça para acabar com o protesto", afirmou o manifestante Mohammed Zomor, 63.
Não há sinal, contudo, de intervenção do Exército para conter o conflito. Mais cedo, um porta-voz das Forças Armadas pediu aos manifestantes que encerrassem os protestos, já que as demandas foram ouvidas, e permitissem que o país voltasse à normalidade.
Imagens da televisão Al Jazeera mostraram manifestantes pró e contra o governo atirando objetos uns contra os outros. Alguns carregavam porretes. Já as imagens da rede americana CNN mostram partidários de Mubarak atacando os manifestantes com cassetetes e pedaços de pau, montados sobre dromedários e cavalos.
As agências de notícias citam dezenas de feridos sendo removidos do local, alguns com sangue escorrendo da cabeça. Mas não há nenhum saldo oficial de vítimas.
RESISTÊNCIA
Mais cedo, as agências já falavam que o Exército teve que intervir nos confrontos entre cerca de 20 apoiadores de Mubarak de mil manifestantes antigoverno em Tahrir.
Cerca de 1.500 manifestantes passaram a noite na praça Tahrir, no centro do Cairo, no nono dia consecutivo de protestos pela queda do ditador egípcio. A praça, cujo nome significa Libertação, foi o epicentro dos protestos que levaram Mubarak a mudar membros do seu gabinete e se comprometer a não concorrer mais à reeleição.
Os manifestantes exigem a renúncia de Mubarak, dizendo "Não sairemos, ele sairá". O grito ecoava na praça que se tornou epicentro dos protestos e que reuniu ao menos 200 mil nesta terça-feira pelo fim do regime ditatorial na nação árabe.
Muitos dos manifestantes desta quarta-feira estavam acampados em tendas ou abrigados embaixo de cobertores, determinados a só deixarem o local após a queda de Mubarak. Faixas de cerca de 20 metros de largura afirmam em vários cantos da praça "O povo exige a queda do regime", em inglês, ou "Vá embora", em árabe.
FORÇAS ARMADAS
Antes dos confrontos em Tahrir, as Forças Armadas do Egito reduziram nesta quarta-feira o toque de recolher em três horas e pediram para que os manifestantes encerrem os protestos.
As medidas, além da retomada da internet após cinco dias, parecem um esforço do governo para retomar aos poucos a normalidade no país, horas depois de um pouco convincente discurso de Mubarak na TV estatal prometendo não concorrer novamente.
O toque de recolher será imposto agora das 17h às 7h (13h às 3h em Brasília), em vez das 15h às 8h (11h às 4h).
Ele foi imposto na sexta-feira passada (28), dia de violentos confrontos entre manifestantes e as forças de segurança em todo país, mas foi violado sistematicamente por centenas de manifestantes que dormem há dias na praça Tahrir, no centro de Cairo, epicentro da revolta popular.
Em comunicado lido na TV, o porta-voz das Forças Armadas pediu ainda nesta quarta-feira o fim dos protestos. "É possível que vivamos uma vida normal, é possível para os netos dos faraós e os construtores das pirâmides superar as dificuldades e conquistar segurança", disse.
"Sua mensagem chegou, suas demandas foram conhecidas, vocês são capazes de trazer a vida normal ao Egito", completou.
O Exército tem um papel crucial na crise política no Egito. Diferentemente da polícia e das forças antidistúrbios, os militares recebem confiança dos manifestantes --que veem neles uma força menos violenta e menos submissa a Mubarak.
Os egípcios dizem que os militares não atacariam com violência os manifestantes, já que muitos têm parentes e amigos entre os que protestam pelo fim do regime.
A Irmandade Muçulmana, mais organizado grupo de oposição, afirmou recentemente querer negociar com o Exército, 'o único no qual as pessoas confiam', para chegar a um acordo sobre a transferência de poder de forma pacífica.
Em outro gesto aparentemente conciliador do governo, a internet voltou a funcionar nesta quarta-feira no Egito. Essencial para articular os protestos, o serviço estava bloqueado desde a última sexta-feira (28), quando os manifestantes opositores ocuparam a praça Tahrir.
by Folhaonline