"Os Educadores-sonhadores jamais desistem de suas sementes,mesmo que não germinem no tempo certo...Mesmo que pareçam frágeisl frente às intempéries...Mesmo que não sejam viçosas e que não exalem o perfume que se espera delas.O espírito de um meste nunca se deixa abater pelas dificuldades. Ao contrário, esses educadores entendem experiências difíceis com desafios a serem vencidos. Aos velhos e jovens professores,aos mestres de todos os tempos que foram agraciados pelos céus por essa missão tão digna e feliz.Ser professor é um privilégio. Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com acolheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos, é lapidar diamantes"(Gabriel Chalita)

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sábado, 17 de novembro de 2007

ESCUTATÓRIA


RUBEM ALVES




Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de
escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a
ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai
se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que ''''não é bastante não
ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia
nenhuma''''.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: ''''Não é bastante ter ouvidos para ouvir o
que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma''''. Daí a
dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um
palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a
dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e
precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito
melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa
arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos
estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios.
Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os
pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em
silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias
estranhas.). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de
repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem.
Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande
desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele
julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o
outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: ''''Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o
que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar
quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse
falado''''.
Segunda: ''''Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu
já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso
pensar sobre o que você falou''''.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma
bofetada. O longo silêncio quer dizer: ''''Estou ponderando cuidadosamente
tudo aquilo que você falou''''. E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de
pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir
coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos
interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos
olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da
filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância
de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num
contraponto.

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