O filme inglês Iris (EUA, 2002), dirigido por Richard Eyre, aborda uma das mais importantes qualidades do caráter: a compreensão. Esta é uma palavra utilizada para determinar a capacidade de perceber completamente, com perfeito domínio intelectual, uma pessoa, uma coisa ou um assunto. Mas compreensão também significa a faculdade de possuir um espírito de complacência, indulgência ou simpatia para com as dificuldades de uma pessoa, percebendo os obstáculos que venham a suceder com alguém. A compreensão ajuda a conviver melhor.
Quantos casos há de alunos que desistem por fatores externos à sala de aula. Tantas razões existem e são desconhecidas para que um aluno não consiga aprender. Bloqueios que nascem de uma educação castradora ou sem afeto. Medo de errar, medo de não ter inteligência, medo de ser rejeitado, medo de não dar certo. O educador compreensivo conhece seu aluno para ajudá-lo. Pais compreensivos compreendem as diferenças entre os filhos e aceitam os caminhos que cada um opta trilhar segundo os impulsos das escolhas nascidas da reflexão. Talvez o que possam fazer é ajudar a refletir. Pais compreensivos não exigem que os filhos vivam os sonhos não realizados por eles. A projeção da felicidade não é felicidade. Daí a assertiva sartreana de que "o inferno são os outros", isto porque cada um projeta no outro a própria realização. E o resultado será a infelicidade para toda a gente.
Professores compreensivos conseguem entender que a aprendizagem é múltipla, e que cada um aprende de uma forma diversa. E mais: têm a humildade de mudar a estratégia para que os alunos que estejam à margem, por qualquer motivo, sintam-se integrados.
A compreensão faz com que casais que se educam mutuamente entendam que príncipes e princesas existem na ficção e alimentam os sonhos, mas que, na prática, são todos mortais, com as imperfeições e as idiossincrasias que marcam o ser humano. Imperfeições que desafiam. Os compreensivos se completam e por isso se respeitam e conseguem conviver em harmonia.
Compreendendo o ser humano
O longa-metragem Iris destaca partes da vida da romancista e filósofa irlandesa Iris Murdoch, alternando cenas que retratam o início de seu relacionamento com o professor de literatura, John Bayley, e outras que reproduzem os momentos finais de sua existência, já abalada pelo Mal de Alzheimer. Em sua juventude, Iris Murdoch (interpretada por Kate Winslet), revela uma personalidade forte, destemida e dominadora, que contrasta com o comportamento tímido, dócil e respeitoso de seu culto colega da Universidade de Oxford, John Bayley (representado pelo ator Hugh Bonneville).
Na fase madura da vida, Iris (agora interpretada por Judi Dench), é laureada com o título de Dama da Ordem do Império Britânico, em reconhecimento ao seu inegável talento na arte da palavra. Está no auge de uma bem-sucedida carreira literária, notabilizada por um extraordinário domínio da linguagem e pelo habilidoso uso dos recursos da imaginação, próprios de uma mente privilegiada. Mas é a mente que começa a sofrer os efeitos da doença degenerativa que a acometeu. Na companhia de seu apaixonado e zeloso companheiro - representado então por Jim Broadbent -, experimenta o progressivo comprometimento de seu cérebro, por meio da dramática diminuição de sua memória, de constrangedoras dificuldades de raciocínio e pensamento, e aniquiladoras alterações comportamentais.
Acima de tudo, seus romances lidam com questões morais. Conflitos entre o bem e o mal também estão freqüentemente presentes em cenas mundanas, que ganham força mítica e trágica por meio da sutileza com que são descritas. Embora intelectualmente sofisticados, seus romances são sempre melodramáticos e cômicos, fixados - como ela mesma dizia - num desejo de contar uma "boa história".
Foi fortemente influenciada por pensadores como Platão, Freud, Simone Weil e Sartre, e por romancistas ingleses e russos do século XIX. Seus romances, muitas vezes, incluem personagens homossexuais, animais afetuosos e eventualmente um poderoso e quase demoníaco "galanteador", que impõe sua vontade sobre a dos outros personagens.
No filme, há um trecho em que Iris fala para uma platéia lotada. Fala, emocionada, sobre a importância da educação. O que se destaca do pensamento dela é a compreensão da pessoa humana. Um posicionamento que requer, afinal, uma atitude de desligar-se de si mesma e ir em busca da outra pessoa, percebendo com os olhos da alma o que se passa em seus corações. Veja a seguir alguns trechos do filme, em que ela reflete sobre este assunto:
- "A educação não traz felicidade e nem sequer liberdade. Não nos tornamos felizes porque somos livres, se somos, ou porque somos ou fomos educados, se formos. Mas porque a educação pode ser o meio pelo qual percebemos que somos felizes. Ela abre nossos olhos e ouvidos. Conta-nos onde se escondem os prazeres. Convence-nos de que só existe uma liberdade que realmente importa. A da mente. E nos dá a segurança, a confiança para trilhar o caminho que a nossa mente educada proporciona."
- "Os seres humanos se amam. No sexo, na amizade, e quando estão apaixonados. E eles cuidam de outros seres. Humanos, animais, plantas e até mesmo pedras. A busca e a promoção da felicidade estão em tudo isso e no poder da nossa imaginação."
- "Toda alma humana presencia, talvez mesmo antes do nascimento, formas puras. Tais como justiça, moderação, beleza e todas as qualidades morais de que nos honramos. Somos levados em direção ao bem, pela vaga lembrança dessas formas. Simples, tranqüilas e abençoadas, as quais uma vez vimos, em sua luz límpida e clara, sendo nós mesmos puros."
- "Temos que acreditar em algo divino. Sem a ajuda de Deus. Algo que poderíamos chamar de amor... ou bondade. Como diz o Salmo: 'Até onde devo me afastar do teu Espírito para evitar a tua presença? Se eu subo até o paraíso, Tu estás lá. Se vou para o inferno, Tu estás lá. Se tomo as asas da manhã e vou para os mais remotos cantos do mar, até mesmo lá tua mão me conduzirá e tua mão direita me segurará."
Saber entender
O marido, no filme, compreende as transformações pelas quais passa a nossa personagem. Já dissemos que compreender não é tarefa simples. Significa sair de si e tentar entender o que se passa com o outro e com ele, apesar das mudanças ou diferenças conseguir conviver. Já se superou o mito de que os iguais devem estudar juntos. E os outros com os outros.
As falas de Íris mostram um pouco o que a educação pode significar para o ser humano. Quando ela diz que a educação não traz por si só a felicidade, mas é ela que tem o poder de nos ensinar a perceber o quanto somos felizes. A educação abre nossos olhos e ouvidos para que a nossa vida não seja uma constante reclamação. Educa nossa mente para que seja livre e nos dá a segurança para realizar nosso mister.
Diz ainda outra linda verdade. Os seres humanos se amam. E por isso cuidam uns dos outros e quando não o fazem é por alguma perversão, algum distanciamento da própria humanidade. É feliz aquele que ama e isso se sente na elevação que vem do resultado de uma ação nobre.
E para não parecer contraditório frente ao mar de sofrimentos e traições e maldades que há por aí, insiste Íris que a alma humana presencia talvez antes mesmo do nascimento, formas puras, e isso é platônico. O mundo das idéias em que tudo e perfeito. E é por causa dessa pureza que somos levados em direção ao bem e é apenas fazendo o bem que encontramos o caminho da felicidade. É como que uma luz que nunca deixará de ser luz mesmo escondida, mesmo empoeirada. Talvez ela não cumpra sua função maior que é a de iluminar, talvez nem percebam que se trata de luz. Mas sua essência será sempre essa, luz. Luz que não ilumina. Que pena. Faltou um pouco de paciência para limpar o recipiente ou para colocá-lo em um local correto.
E fala Íris de Deus. É Ele a origem e a essência do Bem. E é no bem que a felicidade se justifica. E é no Bem que a liberdade se amplia e que os horizontes nos remetem a ação. É o motor imóvel de Aristóteles que move os motores móveis. Sem a alavanca primeira nem existiram os demais movimentos.
Quantos casos há de alunos que desistem por fatores externos à sala de aula. Tantas razões existem e são desconhecidas para que um aluno não consiga aprender. Bloqueios que nascem de uma educação castradora ou sem afeto. Medo de errar, medo de não ter inteligência, medo de ser rejeitado, medo de não dar certo. O educador compreensivo conhece seu aluno para ajudá-lo. Pais compreensivos compreendem as diferenças entre os filhos e aceitam os caminhos que cada um opta trilhar segundo os impulsos das escolhas nascidas da reflexão. Talvez o que possam fazer é ajudar a refletir. Pais compreensivos não exigem que os filhos vivam os sonhos não realizados por eles. A projeção da felicidade não é felicidade. Daí a assertiva sartreana de que "o inferno são os outros", isto porque cada um projeta no outro a própria realização. E o resultado será a infelicidade para toda a gente.
Professores compreensivos conseguem entender que a aprendizagem é múltipla, e que cada um aprende de uma forma diversa. E mais: têm a humildade de mudar a estratégia para que os alunos que estejam à margem, por qualquer motivo, sintam-se integrados.
A compreensão faz com que casais que se educam mutuamente entendam que príncipes e princesas existem na ficção e alimentam os sonhos, mas que, na prática, são todos mortais, com as imperfeições e as idiossincrasias que marcam o ser humano. Imperfeições que desafiam. Os compreensivos se completam e por isso se respeitam e conseguem conviver em harmonia.
Compreendendo o ser humano
O longa-metragem Iris destaca partes da vida da romancista e filósofa irlandesa Iris Murdoch, alternando cenas que retratam o início de seu relacionamento com o professor de literatura, John Bayley, e outras que reproduzem os momentos finais de sua existência, já abalada pelo Mal de Alzheimer. Em sua juventude, Iris Murdoch (interpretada por Kate Winslet), revela uma personalidade forte, destemida e dominadora, que contrasta com o comportamento tímido, dócil e respeitoso de seu culto colega da Universidade de Oxford, John Bayley (representado pelo ator Hugh Bonneville).
Na fase madura da vida, Iris (agora interpretada por Judi Dench), é laureada com o título de Dama da Ordem do Império Britânico, em reconhecimento ao seu inegável talento na arte da palavra. Está no auge de uma bem-sucedida carreira literária, notabilizada por um extraordinário domínio da linguagem e pelo habilidoso uso dos recursos da imaginação, próprios de uma mente privilegiada. Mas é a mente que começa a sofrer os efeitos da doença degenerativa que a acometeu. Na companhia de seu apaixonado e zeloso companheiro - representado então por Jim Broadbent -, experimenta o progressivo comprometimento de seu cérebro, por meio da dramática diminuição de sua memória, de constrangedoras dificuldades de raciocínio e pensamento, e aniquiladoras alterações comportamentais.
Acima de tudo, seus romances lidam com questões morais. Conflitos entre o bem e o mal também estão freqüentemente presentes em cenas mundanas, que ganham força mítica e trágica por meio da sutileza com que são descritas. Embora intelectualmente sofisticados, seus romances são sempre melodramáticos e cômicos, fixados - como ela mesma dizia - num desejo de contar uma "boa história".
Foi fortemente influenciada por pensadores como Platão, Freud, Simone Weil e Sartre, e por romancistas ingleses e russos do século XIX. Seus romances, muitas vezes, incluem personagens homossexuais, animais afetuosos e eventualmente um poderoso e quase demoníaco "galanteador", que impõe sua vontade sobre a dos outros personagens.
No filme, há um trecho em que Iris fala para uma platéia lotada. Fala, emocionada, sobre a importância da educação. O que se destaca do pensamento dela é a compreensão da pessoa humana. Um posicionamento que requer, afinal, uma atitude de desligar-se de si mesma e ir em busca da outra pessoa, percebendo com os olhos da alma o que se passa em seus corações. Veja a seguir alguns trechos do filme, em que ela reflete sobre este assunto:
- "A educação não traz felicidade e nem sequer liberdade. Não nos tornamos felizes porque somos livres, se somos, ou porque somos ou fomos educados, se formos. Mas porque a educação pode ser o meio pelo qual percebemos que somos felizes. Ela abre nossos olhos e ouvidos. Conta-nos onde se escondem os prazeres. Convence-nos de que só existe uma liberdade que realmente importa. A da mente. E nos dá a segurança, a confiança para trilhar o caminho que a nossa mente educada proporciona."
- "Os seres humanos se amam. No sexo, na amizade, e quando estão apaixonados. E eles cuidam de outros seres. Humanos, animais, plantas e até mesmo pedras. A busca e a promoção da felicidade estão em tudo isso e no poder da nossa imaginação."
- "Toda alma humana presencia, talvez mesmo antes do nascimento, formas puras. Tais como justiça, moderação, beleza e todas as qualidades morais de que nos honramos. Somos levados em direção ao bem, pela vaga lembrança dessas formas. Simples, tranqüilas e abençoadas, as quais uma vez vimos, em sua luz límpida e clara, sendo nós mesmos puros."
- "Temos que acreditar em algo divino. Sem a ajuda de Deus. Algo que poderíamos chamar de amor... ou bondade. Como diz o Salmo: 'Até onde devo me afastar do teu Espírito para evitar a tua presença? Se eu subo até o paraíso, Tu estás lá. Se vou para o inferno, Tu estás lá. Se tomo as asas da manhã e vou para os mais remotos cantos do mar, até mesmo lá tua mão me conduzirá e tua mão direita me segurará."
Saber entender
O marido, no filme, compreende as transformações pelas quais passa a nossa personagem. Já dissemos que compreender não é tarefa simples. Significa sair de si e tentar entender o que se passa com o outro e com ele, apesar das mudanças ou diferenças conseguir conviver. Já se superou o mito de que os iguais devem estudar juntos. E os outros com os outros.
As falas de Íris mostram um pouco o que a educação pode significar para o ser humano. Quando ela diz que a educação não traz por si só a felicidade, mas é ela que tem o poder de nos ensinar a perceber o quanto somos felizes. A educação abre nossos olhos e ouvidos para que a nossa vida não seja uma constante reclamação. Educa nossa mente para que seja livre e nos dá a segurança para realizar nosso mister.
Diz ainda outra linda verdade. Os seres humanos se amam. E por isso cuidam uns dos outros e quando não o fazem é por alguma perversão, algum distanciamento da própria humanidade. É feliz aquele que ama e isso se sente na elevação que vem do resultado de uma ação nobre.
E para não parecer contraditório frente ao mar de sofrimentos e traições e maldades que há por aí, insiste Íris que a alma humana presencia talvez antes mesmo do nascimento, formas puras, e isso é platônico. O mundo das idéias em que tudo e perfeito. E é por causa dessa pureza que somos levados em direção ao bem e é apenas fazendo o bem que encontramos o caminho da felicidade. É como que uma luz que nunca deixará de ser luz mesmo escondida, mesmo empoeirada. Talvez ela não cumpra sua função maior que é a de iluminar, talvez nem percebam que se trata de luz. Mas sua essência será sempre essa, luz. Luz que não ilumina. Que pena. Faltou um pouco de paciência para limpar o recipiente ou para colocá-lo em um local correto.
E fala Íris de Deus. É Ele a origem e a essência do Bem. E é no bem que a felicidade se justifica. E é no Bem que a liberdade se amplia e que os horizontes nos remetem a ação. É o motor imóvel de Aristóteles que move os motores móveis. Sem a alavanca primeira nem existiram os demais movimentos.
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GABRIEL CHALITA
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