"Os Educadores-sonhadores jamais desistem de suas sementes,mesmo que não germinem no tempo certo...Mesmo que pareçam frágeisl frente às intempéries...Mesmo que não sejam viçosas e que não exalem o perfume que se espera delas.O espírito de um meste nunca se deixa abater pelas dificuldades. Ao contrário, esses educadores entendem experiências difíceis com desafios a serem vencidos. Aos velhos e jovens professores,aos mestres de todos os tempos que foram agraciados pelos céus por essa missão tão digna e feliz.Ser professor é um privilégio. Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com acolheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos, é lapidar diamantes"(Gabriel Chalita)

Translate - Tradurre - Übersetzen - Çevirmen - переводчик -

domingo, 1 de junho de 2008

Pedagogia da Amizade


Já está marcado, para o dia 19 de junho, o lançamento do novo livro de Gabriel Chalita, "Pedagogia da Amizade". O local é a Livraria Cultura, na Avenida Paulista.


O livro "Pedagogia da Amizade"é uma extensão do pensamento pedagógico de Gabriel Chalita, iniciado em "Educação, a solução está no afeto" e "Pedagogia do Amor".


Com base em teorias da didática moderna e no pensamento filosófico de vários momentos da história da humanidade, o autor analisa os efeitos positivos da amizade nas relações sociais, a partir da premissa de que amizade é uma atitude que protege. O contraponto abordado, especialmente no ambiente escolar - mas sem desprezar o ambiente familiar - é o mal do bullying, fenômeno social que afeta crianças e jovens no Brasil e no mundo inteiro. Preocupado com a questão, Gabriel Chalita pesquisou, observou e entrevistou pessoas que sofreram agressões físicas e morais típicas de bullying, e traz um balanço lúcido e útil sobre a questão. Sua tese, no livro, é de que a amizade é uma atitude positiva que pode e deve ser desenvolvida, e que funciona como o melhor antídoto para o veneno social da violência. Gabriel Chalita analisa, também, experiências de fracasso e de sucesso, e indica as atitudes que governo, família e sociedade deveriam tomar.



UM TRECHO DO LIVRO -


Na atualidade, as questões que envolvem o tema da violência nas escolas têm motivado numerosas discussões e reflexões de educadores de várias partes do mundo. Há um clima de perplexidade diante de atitudes cruéis que ferem diretamente um indivíduo porque, indiretamente, ferem a sociedade.


Num contínuo fluir de exigências ora pessoais, ora grupais, a escola é palco de conflitos de toda ordem. Para solucioná-los, nem sempre bastam os saberes e as habilidades armazenados pela experiência, pois o problema surge invariavelmente como algo inédito no âmbito da vida escolar - para aqueles considerados corriqueiros, o ineditismo fica por conta do contexto e das pessoas envolvidas.


Quando a pauta é violência escolar, visualizamos trocas de xingamentos, palavrões, provocações verbais, desrespeito com o material alheio, depredação do patrimônio escolar, ameaças dirigidas aos professores e agressões físicas, propriamente, entre alunos (e mais raramente de alunos contra professores e vice-versa), como chutes, tapas, beliscões etc. Contudo, aqui, o cerne da questão é ampliar os conhecimentos e sensibilizar para uma violência que é silenciada pelo medo e está presente, infelizmente, no mundo inteiro. Trata-se do bullying, uma forma intencional e repetitiva de atitudes agressivas dentro da escola.


A palavra bullying é um verbo derivado do adjetivo inglês bully, que significa valentão, tirano. É o termo que designa o hábito de usar a superioridade física para intimidar, tiranizar, amedrontar e humilhar outra pessoa. A terminologia é adotada por educadores, em vários países, para definir o uso de apelidos maldosos e toda forma de atos desumanos empregados para atemorizar, excluir, humilhar, desprezar, ignorar e perseguir os outros.


O fenômeno bullying não escolhe classe social ou econômica, escola pública ou privada, ensino fundamental ou médio, área rural ou urbana. Está presente em grupos de crianças e de jovens, em escolas de países e culturas diferentes.


Sem equivalência na língua portuguesa, adotamos, no Brasil, o termo inglês bullying, que na França chamam de harcèlement quotidien, na Itália de prepotenza ou mesmo de bullismo, no Japão de ijime, na Alemanha de agressionen unter schülern e em Portugal de maus-tratos entre os pares. Muitos pesquisadores definem o fenômeno bullying como violência moral (uma adaptação do francês assédio moral).


Nas escolas, é um fenômeno complexo, muitas vezes banalizado e confundido com agressão e indisciplina. Exige observação atenta e presença constante, pois, normalmente, as vítimas são aterrorizadas em áreas da escola com pouca ou nenhuma supervisão. Estratégia premeditada, que contribui para que a vítima seja desacreditada. Ou que a ação desencoraje a vítima a falar da dor a outrem, ou que se passe muito tempo até que alguém perceba. Tempo suficiente para registrar a dor da agressão vivida, o medo, para abalar a auto-estima, os processos de aprendizagem e a construção/afirmação da identidade. Um tempo, muitas vezes, mais do que suficiente para que o caso se transforme em manchete de jornais.


Na escola, quem nunca foi "zoado" ou "zoou" alguém? Risadinhas, piadinhas, fofocas, apelidos. Todos nós, em algum momento de nossas vidas, testemunhamos essas brincadeiras de mau gosto, ou fomos autores ou vítimas. Contudo, essa rotina de xingamentos e ofensas, considerada normal por muitos pais, alunos e até educadores, está longe de ser inocente. O bullying é um comportamento ofensivo, aviltante, humilhante, que desmoraliza de maneira repetida, com ataques violentos, cruéis e maliciosos, sejam físicos, sejam psicológicos.


É um problema universal, uma epidemia invisível admitida como natural em alguns casos, desvalorizada em outros e, na maioria das vezes, ignorada.


Essa forma sutil de violência, que geralmente envolve colegas da mesma sala de aula, pode se constituir de maneira direta ou indireta.


O bullying direto é mais comum entre agressores meninos. As atitudes mais freqüentes identificadas nessa modalidade violenta são os xingamentos, tapas, empurrões, murros, chutes, apelidos ofensivos repetidos.


Carlos, um menino de 13 anos, não era considerado muito bom no futebol. Por ser obeso, não tinha velocidade nem fôlego para acompanhar as partidas e passou a ser motivo de chacota dos considerados "craques". Mesmo sob a supervisão de um professor, Carlos levava tapinhas na cabeça toda vez que perdia uma bola durante o jogo. Com o tempo, as agressões degradantes se tornaram freqüentes e aconteciam mesmo sem o suposto motivo. Decidido a não mais participar das partidas, começou a ser chamado de "menininha" e de gay pelos colegas. De "gordo sujo", apelido que ganhou porque suava muito quando corria, passou a ser conhecido na escola por "gordinha fedida", o que motivava risadas debochadas de meninos e meninas. Por várias vezes, teve sua cueca puxada por trás, apertando sua genitália. Essa desmoralização se estendeu até o dia em que o menino saiu da escola. Dizem que a família saiu da cidade. Talvez Carlos nunca mais tenha jogado futebol. Talvez tenha emagrecido. Mas, certamente, carrega consigo as marcas desse período perverso de sua vida.


O bullying indireto é a forma mais comum entre o sexo feminino e crianças menores. Caracteriza-se basicamente por ações que levam a vítima ao isolamento social. As estratégias utilizadas são difamações, boatos cruéis, intrigas e fofocas, rumores degradantes sobre a vítima e familiares, entre outros. Os meios de comunicação costumam ser eficazes na prática do bullying indireto, pois propagam, com rapidez e dimensões incalculáveis, comentários cruéis e maliciosos sobre pessoas públicas. A perversidade virtual é conhecida como cyberbullying e realiza-se por meio de mensagens de correio eletrônico, torpedos, blogs, fotoblogs, e sites de relacionamento, sempre anonimamente.


Bianca, aos 13 anos, foi perseguida por uma colega de classe. A novidade é que ela e a tal colega costumavam andar juntas a ponto de freqüentarem, algumas vezes, uma a casa da outra. As agressões começaram quando Bianca começou a namorar um garoto de quem, pelo que tudo indica, sua colega gostava. Foi o princípio do pesadelo. Primeiro foram os rumores maliciosos, espalhados pela menina, de que Bianca era uma "galinha". Risadinhas de canto e sussurros a mantiveram isolada da turma. Até então eram ofensas divulgadas somente na escola. Até que começaram os blogs e os fotoblogs, com montagens de cenas eróticas em que o rosto de Bianca aparecia adicionado a um corpo nu e por vezes fazendo sexo. Em questão de uma semana, garotos e garotas das escolas da região já conheciam a fama de Bianca. Desesperada, sua mãe recorreu à escola, que disse não ter como impedir algo que extrapolou os muros da instituição. A mãe, então, decidiu ir à casa da menina difamadora e conversar com seus pais. Chocados com o que viram e ouviram, acolheram toda a dor e a angústia da família e prometeram tomar uma atitude, mesmo diante da filha, que negava a autoria das agressões. Dias depois, a menina foi à casa de Bianca se desculpar. Quanto ao namoro, não deu certo. Já a suposta amizade, também foi rompida. Colocadas em classes distintas nos anos seguintes, ambas passaram a se ignorar. Separadas pelo tempo, nunca mais se viram ou se encontraram. E quanto ao trauma, só o tempo será capaz de dizer. Certamente não foi agradável para Bianca ser destruída em sua integridade moral. Mesmo que a amiga tenha pedido desculpas, isso não apaga o trauma. Pedidos de desculpas são importantes, mas às vezes tardios.


É indispensável que se estabeleça uma parceria entre a escola e a família. Sobretudo, é preciso que pais e educadores tenham um olhar atento, amoroso e sensível, que propicie atitudes efetivas no acolhimento das angústias e dos medos. É fundamental que os adultos não neguem os fatos, nem se coloquem à parte dos acontecimentos, arriscando diagnósticos precipitados ou naturalizando tais "brincadeiras de mau gosto".


O bullying nos faz conjeturar sobre nós mesmos, sobre os nossos pensamentos, sentimentos e atos. Reflexão que desperta para a responsabilidade que nos cabe pelos maus resultados colhidos e pelas tragédias registradas. Em muitas ocorrências, temos culpa, seja pela ação ou pela omissão, pela agressividade ou pela passividade, pelo barulho ou pelo silêncio, como protagonistas, vítimas ou testemunhas de atos violentos de qualquer natureza.


O mundo das crianças e dos jovens não é tão risonho quanto se pensa. A escola pode, sim, tornar-se um lugar constrangedor. Sob a roupagem de brincadeira de mau gosto, o fenômeno bullying invade silenciosamente os espaços escolares, furtando de crianças e jovens a possibilidade de sonhar. As experiências de dor, de angústia e de humilhação, vividas solitariamente, deixam cicatrizes e podem trazer graves conseqüências para os adultos que essas crianças serão.
Bom humor e brincadeiras são comuns na infância e na juventude e devem estar presentes em nossas vidas, mas a linha divisória entre atitudes dessa natureza e bullying por vezes é tênue. Um costume infeliz, ao ser ignorado e desvalorizado, torna-se um hábito desastroso. Obstar esse hábito exige conhecimento do fenômeno e do perfil dos personagens envolvidos. Mas a mudança principia com o profundo desejo e esforço ético revelados na ação de acolher sonhos, angústias e medos para proteger e transformar, amorosa e corajosamente, tantas vidas e reescrever um novo final para essa história.

Nenhum comentário:

PENSAMENTOS