"Os Educadores-sonhadores jamais desistem de suas sementes,mesmo que não germinem no tempo certo...Mesmo que pareçam frágeisl frente às intempéries...Mesmo que não sejam viçosas e que não exalem o perfume que se espera delas.O espírito de um meste nunca se deixa abater pelas dificuldades. Ao contrário, esses educadores entendem experiências difíceis com desafios a serem vencidos. Aos velhos e jovens professores,aos mestres de todos os tempos que foram agraciados pelos céus por essa missão tão digna e feliz.Ser professor é um privilégio. Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com acolheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos, é lapidar diamantes"(Gabriel Chalita)

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sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Menina no espelho


Texto:Mara Gabrilli

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Quando me estacionam ao lado de um carrinho de bebê, rola um clima... a gente se olha, se analisa, se identifica, se acha parecido e se sorri. Mesmo sendo grandona diante de um companheiro pequeno, gorducho e branquinho, fica implícita uma similaridade de origem, posicionamento e plano de ocupação no espaço. As crianças não conseguem tirar os olhos de mim. Ficam empertigadas com a minha situação. Só desviam o olhar quando estão acompanhadas de uma daquelas pessoas que beliscam e dizem “é feio ficar olhando!”. Eu não gosto quando isso acontece.
Me agrada muito a espontaneidade das crianças. Elas olham até o momento em que me torno menos exótica e começo a entrar num ambiente mais familiar dentro de seus referenciais. Elas perguntam se me machuquei e onde o meu corpo está machucado. Algumas querem saber quando eu vou sarar, se sinto dor, por que estou sentada ou por que estou em pé (na minha cadeira de rodas consigo ficar em pé). Nessa hora, elas têm vontade de pôr a mão em mim...
Uma vez, em Maresias, resolvi tomar um banho ao ar livre, num daqueles chuveiros de praia. Me colocaram sentada numa cadeira, sob o fluxo da água. A cena inusitada, um misto de bagunça com atividade importante e de risco, despertou interesse em algumas crianças. Duas delas eu já conhecia, as outras eram novidade para mim. Não demorou três minutos para elas dividirem meus produtos entre si e comandarem as tarefas... pareciam brincar de Barbie: “Você passou o sabonete no braço?”, “Tá cheio de xampu na orelha”, “Esfregue a bucha nesta coxa”, “Cuidado com o pé dela!”. Passou um tempo e elas grudaram em mim fazendo umas perguntas aparentemente simples que, sem refletir, não dá para responder.
Sentimento de piedade
Os adultos geralmente desviam os olhos e não perguntam. Quase sempre um olhar curioso me arranca um sorriso. Talvez seja complacência e vontade de dizer a distância: “Vai fundo, me olhe, pois eu no seu lugar também olharia”. E olharia mesmo! Muitas vezes percebo alguém falando comigo de um assunto, pensando em outro, me olhando sem ter coragem de falar. As pessoas idosas ficam parecidas com as crianças, pois raramente desviam o olhar. Em compensação, ficam facilmente imbuídas de um sentimento de piedade. Se têm a oportunidade de falar comigo, soltam um: “Coitadinha, o que aconteceu?”. Sabe uma coisa que eu acho engraçada? Quando alguém libera um: “Que judiação, uma moça tão bonita numa cadeira de rodas”. Será que essas pessoas têm consciência que pior ainda é ser feia numa cadeira de rodas?
Passar perto de obra, conserto, manutenção, aflora a sensualidade... Sempre olham para o meio das pernas com cara de sacanagem e não estou falando dos meus joelhos. Esses nunca não souberam que ali passou uma mulher! Já alguns homens mais letrados, moderados, quando mudam o olhar de improviso, denunciam já ter se deparado com uma revista TRIP, edição 82. Qual mulher não se admira com um repentino olhar cobiçoso? Meu namorado me come com os olhos e ainda me diz que é bom eu ficar sentada, porque assim só ele tem o privilégio de ver minha bunda. Safado! E, como não fico me vendo na cadeira de rodas, alguns olhares me pegam desprevenida... Quando meu pai ou minha mãe me olham com o desalento de quem fora invadido pela sensação ruim de ver a filha sem poder se mexer normalmente, me derruba consternada. Esse é o único olhar que me deixa paralisada.
Quando o meu olhar cruza comigo mesma, me lembro que não faço o estilo sentada. Então tento levantar e percebo que ainda não aprendi como se faz... Mas continuo tentando entender. E essa perseverança dignifica meu próprio olhar sobre a condição humana. Me acho engraçada e adoro rir de mim mesma.
*Mara Gabrilli é publicitária e psicóloga. Dirige a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), ligada à qualidade de vida do deficiente físico
– ela é tetraplégica e foi TRIP Girl na TRIP #82.

Um comentário:

everson moura disse...

nossa muiito lindo esse texto viu , me emocionei seriamente , em partes o que ela disse parece que ela leu meus pensamentos , tambem sou deficiente fisico , paraplegico , e gostei muiito do texto ...

PENSAMENTOS